Através deste projeto, buscamos promover o levantamento documental, a sistematização, análise e a publicização de uma pesquisa a respeito do papel dos rios, fontes, ribeirões e cursos d´água na ocupação humana da área de planalto, conhecido como campos de Piratininga, onde se instalou primeiro o colégio (1554) e depois a vila de São Paulo (1560), ainda no século XVI. É uma área geográfica que atualmente abarca uma ampla região urbana para além da urbe paulistana, que inclui cidades como Guarulhos, Itaquaquecetuba e Mogi das Cruzes; Itapecerica, Taboão e Embu; Osasco, Carapicuíba, Barueri e Santana de Parnaíba; São Roque, Sorocaba, Itu e Jundiaí, dentre outras. O recorte temporal do projeto é o período colonial, mas com recuos e avanços temporais necessários, tanto para a compreensão de uma presença humana anterior, essencialmente indígena, que obviamente continuaria a influenciar a lógica de ocupação colonial; quanto para a análise dos “apagamentos” das águas de São Paulo e os esquecimentos que marcaram os tempos posteriores, especialmente os séculos XX e XXI.
A região do Planalto Paulista, nos contrafortes da Serra do Mar, é praticamente uma planície de altitude, ocupando o centro de um amplo sistema hidrográfico, formado pela inundação constante de rios e córregos que, em sua maioria eram piscosos e navegáveis e que corriam serenamente pelos campos que conformavam a paisagem, e espraiavam-se por suas várzeas. Em função disso, a região apresentava uma mata pouco densa, baixa e típica destas mesmas várzeas. O grande eixo fluvial, estruturante da ampla ocupação, foi o Anhembi (Tietê), parte da grande bacia platina, pois desagua no Paraná; mas também rios mais regionais, como o Tamanduateí, às margens do qual se instalou o colégio de São Paulo; o Anhangabaú, o Jeribatiba (Pinheiros) e tantos outros rios, córregos e cursos d´água, que conformaram essa riqueza hídrica que facilitou o assentamento humano na região desde há pelo menos oito mil anos, numa sucessão de etnias e parcialidades indígenas majoritariamente Tupi-Guarani, mas também Macro-Jê. Em relação aos Tupi, hegemônicos ao tempo da chegada dos europeus, sabemos que se organizaram a partir destes eixos fluviais e caminhos terrestres que atravessavam a Serra do Mar, numa complementaridade espacial que conectava o litoral, o planalto e o interior, seguindo pelos rios como Anhembi e Paranapanema até o Paraná.
Efetivamente, foi este sistema montanhoso e fluvial que condicionou a ocupação humana pré-colonial e colonial, pois impôs percursos, estruturou conexões e organizou os lugares de assentamentos. Relacionar, transportar e estabilizar. Estas seriam as três grandes funções da geografia dos rios para a ocupação humana. Quando buscamos analisar o irrigado planalto de São Paulo nos tempos coloniais à luz destas funções, compreendemos melhor uma presença portuguesa da Capitania de São Vicente que, para além da ocupação costeira, se espraiou pelo planalto em assentamentos - muitos deles localizados em sítios de ocupação indígena – às margens dos rios, seja em forma de vilas, aldeamentos ou fazendas encapeladas. Ademais, ao longo destes rios buscou-se a tão desejada riqueza mineral que mobilizou os primeiros colonos, e por ele se avançou pelo sertão, em canoas de tecnologia e técnica indígena, que terminou por conectar a América portuguesa e espanhola e estruturar uma rota de ocupação colonial – monções - dos interiores no século XVIII. Rotas nas quais atuavam trabalhadores, em sua maioria escravizados, que carregavam embarcações e atuavam como remeiros e guias. Por estes rios circularam pessoas, mercadorias e práticas, como as construtivas, por exemplo, informadas pela taipa feita a partir do barro das margens destes eixos fluviais, ou as imagens de santos feitos em terracota. Os rios forneceram o complemento alimentar através de seus pescados, e suas águas moveram moinhos de trigo, engenhos de açúcar e de ferro, como o do Ibirapuera, mantidos às custas da exploração de mão de obra escravizada indígena e africana. No século XVIII, às margens de alguns destes rios, instalaram-se quilombos que sobreviveram até o século XIX, e estes mesmos eixos fluviais serviram como rota de fuga para escravizados ao longo da colonização.
Este projeto se insere numa geo-história - conforme as lições braudelianas -, e que visa compreender a geografia como um agente, e não só um cenário, na conformação de uma espacialidade colonial que foi estruturada nas relações entre esta geografia e as interações humanas que ali se desenrolaram. Ademais, numa perspectiva ambiental, o estudo destes rios nos permitem compreender parte de um longo processo que começou com a dependência humana destes eixos fluviais, e que terminou, na atualidade, se transformando na poluição, soterramento e esquecimento destes rios e cursos d´água em pleno contexto de crise hídrica resultante das degradantes ações ambientais humanas no Antropoceno.
TUTOR PROF DR. JOSÉ CARLOS VILARDAGA
Professor da área de História da América na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Campus Guarulhos. Bacharel e Licenciado em História pela Universidade de São Paulo (USP), fez Mestrado (1998-2002) e Doutorado (2006-2011) em História Social pela mesma universidade (FFLCH-USP). Possui experiência docente em ensino fundamental, médio e superior, tendo, neste último, trabalhado em universidades públicas e privadas, como UNISA, UFOP, PUCCAMP e UEL. É atualmente tutor do PET-História Unifesp. Estuda os impérios coloniais ibéricos durante o período moderno, com especial ênfase nas conexões luso-castelhanas na América Meridional entre os séculos XVI e XVII. Atua como pesquisador na intersecção das áreas de História da América Colonial, História Ibérica e História de São Paulo no período colonial e desenvolve a pesquisa "Dinâmicas do espaço platino: pessoas e objetos em circulação pelos caminhos do Prata entre 1530 e 1640." É um dos líderes dos Diretórios de Pesquisa: "A monarquia hispânica e o império dos Felipes (1580-1640)" e "História e Historiografia das Américas". Integra o Diretório de Pesquisa "Impérios Ibéricos no Antigo Regime: política, sociedade e cultura" (CNPq). É um dos coordenadores do Laboratório de Pesquisa em Histórias das Américas (LAPHA) da UNIFESP e membro do Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre os Impérios Ibéricos na Época Moderna (séculos XV-XVII), o FINISTERRA_lab (USP). Faz parte do pólo brasileiro da Red Columnaria; integra a rede internacional GEOPAM (Geopolítica Americana de los siglos XVI e XVII), o ande - Rede de Pesquisadoras e Pesquisadores sobre o Paraguay, a Red Cutura y Lenguas Indigenas, e compõe o rol de pesquisadores da Base de Dados "BRASILHIS-Redes pessoais e circulação no Brasil durante o periodo da Monarquia Hispânica (1580-1640)". Autor dos livros: Lastros de viagem: expectativas, projeções e descobertas portuguesas no Índico (1498-1554) (Annablume, 2010) e São Paulo no império dos Felipes: conexões na América Meridional (1580-1640) (Intermeios, 2014).
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